A teoria do Imaginário veio, ao longo
dos anos, se estruturando enquanto teoria científica, cujo desenvolvimento se
deve à descoberta, no século XIX, da dimensão do inconsciente humano, que
permitiu a comprovação de que o psiquismo não funciona apenas à luz da
percepção imediata e de um encadeamento racional de ideias, mas, também, na
penumbra de um inconsciente, revelando as imagens irracionais do sonho, da
neurose ou da criação poética. (DURAND, 2010)
Assim, esta teoria vem se consolidando nos meios científicos e abrindo portas para novos conhecimentos e atuações profissionais diante de uma nova visão de homem e de mundo.
Aos que situam seus pensamentos num novo paradigma de construção científica e desejam conhecer mais aprofundadamente a Teoria do Imaginário, da forma como foi desenvolvida pelo francês Gilbert Durand, apresentaremos algumas de suas principais obras neste campo.
* Referência: DURAND, Gilbert. O Imaginário: ensaio acerca das
ciências e da filosofia da imagem. 4ª ed. Rio de Janeiro: DIFEL, 2010.
RESUMO INFORMATIVO DA INTRODUÇÃO DO
LIVRO “A IMAGINAÇÃO SIMBÓLICA” DE GILBERT DURAND
Por Lia Fonteles*
O vocabulário do
simbolismo
Durand inicia sua obra
fazendo alusão ao uso indiscriminado de termos relacionados ao imaginário por
diversos autores devido a imensa desvalorização que sofreu a imaginação no
pensamento ocidental e da Antiguidade Clássica. Ele então coloca a existência
de duas maneiras que a consciência possui para representar a realidade: uma
direta, na qual a própria coisa parece estar presente no espírito, como na percepção
ou na simples sensação; e outra indireta, quando a coisa não pode apresentar-se
de carne e osso à sensibilidade, como em recordações, imaginação de paisagens
em outros planetas, etc. Nesses últimos casos, o objeto ausente é
“re-presentado” na consciência por uma imagem. De outro modo, a consciência
dispõe de diferentes graus de imagem, a qual pode ser a cópia fiel da sensação
ou apenas assinalar a coisa. Assim, a imagem pode ter dois extremos: um
constituído pela adequação total, a presença perceptiva, e outro pela
inadequação mais extrema, um signo eternamente viúvo de significados, que seria
o símbolo.
O símbolo pertence à
categoria do signo, porém, a maior parte dos signos, como o sinal, a palavra, a
sigla, o algoritmo, são apenas subterfúgios de economia, que remetem a um
significado que poderia estar presente ou ser verificado. Nada impede que tais
signos sejam escolhidos arbitrariamente, a não ser que se remetam a abstrações,
como a justiça e a verdade. Daí decorre a existência de alegorias, que é um
signo complexo que traduz concretamente uma ideia difícil de compreender ou de
exprimir de uma maneira simples. Os objetos que compõem a alegoria podem ser
denominados emblemas e a narrativa acerca do signo, envolvendo exemplos de
fatos mais ou menos reais ou alegóricos é o apólogo.
Portanto, é possível
verificar a existência, pelo menos em teoria, de dois tipos de signos: os
arbitrários, puramente indicativos, que remetem para uma realidade puramente
significada, se não presente, pelo menos sempre apresentável; e os alegóricos,
que remetem a uma realidade significada dificilmente apresentável, os quais são
obrigados a figurar concretamente uma parte da realidade que significam.
Finalmente ele chega à
imaginação simbólica propriamente dita, quando o significado não é de modo
algum apresentado e o signo só pode referir-se a um sentido e não a uma coisa
sensível. Neste momento, Durand usa as ideias Jung para definir o símbolo como “a melhor
figura possível de uma coisa relativamente desconhecida que não conseguíamos
designar inicialmente de uma maneira mais clara e mais característica.” Além
disso, ainda utilizando Jung, esclarece que “a diferença entre uma representação
simbóloca e uma representação alegórica reside no fato de que esta última dá
unicamente uma noção geral, ou uma ideia que é diferente de si mesma, enquanto
a primeira é a própria ideia tornada sensível, encarnada.“ Durand complementa que o símbolo seria o inverso da alegoria, pois esta faz parte de uma
ideia(abstrata) para chegar a uma figura, enquanto o símbolo é primeiro em si
figura, e como tal, fonte, entre outras coisas, de ideias. O símbolo tem em sua
natureza o significado inacessível, epifania, ou seja, aparece através do e no
significante, do indizível.
Assim, o domínio de predileção
do simbolismo é o não-sensível sob todas as suas formas: inconsciente,
metafísico, sobrenatural e surreal. Para Durand, o símbolo é a epifania de um
mistério, pois é a transfiguração de uma representação concreta através de um
sentido para sempre abstrato. Usando das ideias de Poul Ricoeur, o autor coloca
que um símbolo autêntico possui três dimensões concretas: cósmica (ou seja, se
figura no mundo visível que nos rodeia), onírica (uma vez que enraíza-se nas
recordações, nos gestos que emergem nos nossos sonhos e constituem a massa
muito concreta da nossa biografia mais íntima) e poética (pois o símbolo apela
à linguagem). Por outro lado, a parte invisível e indizível constitui uma
espécie de lógica bem à parte.
Durand então considera a
existência de um duplo imperialismo, simultaneamente do significante e do
significado, na imaginação simbólica, o que marca o signo simbólico e constitui
a “flexibilidade do simbolismo”, segundo Cassirer. O imperialismo do
significante se dá na repetição, que chega a integrar numa única figura as
qualidades mais contraditórias; e o imperialismo do significado transborda por
todo o universo sensível para se manifestar, repetindo incansavelmente o ato
epifânico. Assim, ambos possuem um caráter comum da redundância, sendo através
do poder da repetição que o símbolo preenche indefinidamente a sua inadequação
fundamental. Tal repetição é sempre aperfeiçoante.
Neste ponto, Durand traz
alguns exemplos, através de uma classificação sumária do universo simbólico: a
redundância significante dos gestos constitui a classe dos símbolos rituais; a
redundância das relações linguísticas é significativa do mito e dos seus
derivados; já a imagem pintada, esculpida e tudo o que se poderia chamar de
símbolo iconográfico, constitui múltiplas redundâncias.
Sobre este último
aspecto, Durand defende que o verdadeiro ícone é instaurador de um sentido. Há
uma diferença entre o ícone e a simples imagem, que é clausura sobre si mesmo,
rejeição do sentido, cópia inerte do sensível.
Durand então finaliza
esta introdução atingindo o objetivo básico de mostrar as diferenças existentes
entre signo, alegoria e símbolo, abrindo, assim, o caminho para a discussão a
respeito de como o desenvolvimento deste tipo de conhecimento se deu no
decorrer dos anos no ocidente até os dias atuais, em que o apaziguamento entre
razão e imagem possibilitou encarar a possibilidade de uma ciência e de um
saber novo baseado na simbologia e o estudo as funções filosóficas do
simbolismo.
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* Psicóloga e Pedagoga. Aluna do Curso de Mestrado em Educação da Universidade Federal do Maranhão. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Arte, Cultura e Imaginário na Educação, da referida universidade.
Informações extraídas do livro:
No Ocidente, o imaginário, ou o museu e os processos de todas as imagens possíveis, não apenas foi considerado suspeito como reprimido durante séculos pelos valores cognitivos existentes. Atualmente, o progresso das ciências permitiu, por meio de um "efeito perverso" admirável, uma divulgação gigantesca das técnicas da imagem. Por conseguinte, todas as disciplinas universitárias colaboraram na criação de uma "ciência do imaginário", exigindo uma transferência de poder revolucionária das pedagogias, políticas e éticas...
Informações extraídas do livro:
Gilbert Durand, discípulo de Bachelard, concebeu esta obra com o objetivo de completar antropologicamente a investigação inaugurada por aquele pensador em A Psicanálise do Fogo. Ele pretendeu que seu livro fosse uma espécie de "jardim" das imagens, que ordenou e classificou, segundo uma dinâmica intrínseca, sem recorrer a critérios que lhe fossem exteriores. Esse dinamismo resulta de um trajeto antropológico que leva em conta a homologia do psíquico, do cósmico, do social e mesmo do biológico, organizados numa significação integrada, segundo uma lógica não linear, mas constelacional. Ao estudar como funciona o Imaginário, Gilbert Durand coloca-nos no cerne das questões suscitadas pelo estruturalismo que substitui os processos temporais da explicação discursiva clássica pelos processos espaciais - topológicos. Mas, enquanto o estruturalismo de Lévi-Strauss ou de Greimas é redutor, pelo formalismo, Durand, na linha de investigadores como Jung, Piaget e Bachelard, convida-nos a pensar as estruturas do Imaginário em termos de conteúdos dinâmicos, como meio fundamental para a compreensão das bases míticas do pensamento humano.